"Mundo Interior" junta teatro e circo contemporâneo, no palco do Sá da Bandeira, em Santarém
“Mundo Interior” subiu no dia 23 de março, ao palco do Teatro Sá da Bandeira, em Santarém e envolveu desde o primeiro minuto a plateia. Um espetáculo onde o teatro e circo contemporâneo fundem-se, numa criação conjunta da Companhia João Garcia Miguel (Cia JGM) e João Paulo Santos, um dos mais reconhecidos acrobatas em mastro chinês em todo o mundo.
João Garcia Miguel e João Paulo Santos recorreram à obra “Mundo Interior” do poeta persa do séc. XIII, Jalâl Rûmi, para construir uma peça em que as palavras, o corpo e a música, numa sinestesia perfeita, fazem o milagre do espetáculo acontecer.
Um velejador solitário parte à descoberta de um mundo interior desconhecido e, nessa força de querer viajar e de descobrir, abre e revela este mundo, ao mesmo tempo que o confunde e o destroça em fragmentos. Uma peça que questiona a formatação social de uma incessante procura de segurança e tranquilidade que, ilusória, nos afasta da noção de desconhecido como possibilidade de descobrimento.
“Mundo Interior” surge de um sonho antigo de um professor, João Garcia Miguel e um aluno, João Paulo Santos, no Chapitô. De um encenador e um aluno que se especializou na técnica do mastro chinês.
Um corpo em busca da sua poesia
Apesar de ser uma técnica centenária, os performers de mastro chinês portugueses devem poder contar-se pelos dedos das mãos. Mas não é por aí que o espetáculo começa. Tudo se inicia numa pilha de cadeiras da escola com as pernas encaixadas umas nas outras, umas viradas para cima, outras para baixo, outras para o lado, como se fossem um monte de entulho desorganizado.
Um único personagem (João Paulo Santos), com traços cómicos, começa a tentar chegar ao topo da pilha de cadeiras encarrapitando-se nas de baixo e nós, na plateia, quase que temos a certeza que também conseguiríamos fazer aquilo…, mas puro engano. João Paulo Santos joga com a gravidade e o seu peso com muita mestria e uma delicadeza exemplar, digna daquilo que é a câmara lenta no cinema – cada movimento do seu corpo é claro e limpo, vê-se o corpo a deslizar pelo ar, em suspenso.
Um dos momentos mais soberbos do espetáculo é quando o performer começa a fazer uma pirâmide de cadeiras sobrepostas, transportando-as na subida do mastro chinês, uma a uma, seis ou sete, e depois se coloca no topo da pirâmide. A ver da plateia, dir-se-ia que há 90% de probabilidade de tudo deslizar e ele cair, mas não: ele é o homem flutuante.
De fundo há uma história que vai correndo, contando a história de um contador de histórias, às vezes de acordo e outras vezes contra o que se está a passar em palco, mas sem interferir. A voz de Miguel Borges funciona como paisagem sonora, envolve e torna a cena mais etérea. Um espetáculo que decorre entre a realidade e a imaginação, entre o possível e o impossível.
Em palco, João Paulo Santos, faz poesia com o corpo. Sobe, desce, salta. Este português conquistou o mundo do alto do seu aparato, o mastro chinês.
“Cada movimento é um modo de expressão e o outro é a palavra. Falar com o movimento e falar com o poema. Fazer uma proeza com as palavras como quem dança ou sobe a um mastro. Qual é a proeza da palavra? Qual é o subir ao mastro da palavra?”.
No fim, o público, aplaudiu de pé, o performer, João Paulo Santos.